A conquista, no entanto, não veio sem obstáculos. Durante a graduação, viveu longe da família, enfrentou dificuldades financeiras, o luto pela perda de uma sobrinha ainda bebê, e até pensou em desistir. Mas foi o apoio da família — e especialmente do pai — que a sustentou. “Meu pai sempre teve muito medo de eu depender de alguém, de passar humilhações que ele mesmo viveu ao longo da vida. Então me ensinou desde cedo a ser independente. Quando eu pensei em desistir, ele me lembrou que a única coisa que ninguém poderia tirar de mim era o meu estudo”, relata.
A trajetória de Fernanda é marcada por idas e vindas entre Estados — Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul — e por experiências de aprendizado em diferentes contextos: aulas presenciais, ensino remoto por causa da Pandemia de Coronavírus que assolou o mundo em 2020 e 2021, contribuições em escolas do Movimento Sem Terra, estágios em propriedades rurais e, agora, o início da vida profissional em uma cooperativa de sucos no interior do Rio Grande do Sul. A colação de grau foi o símbolo de tudo isso: da coragem de uma jovem que lutou para permanecer estudando, do apoio de uma família trabalhadora, e da importância de políticas públicas como a UFFS e o Pronera, que oferece a jovens e adultos do campo a chance de transformar suas histórias por meio da educação. “Durante toda a cerimônia meu pai estava muito emocionado, só de me ver de beca, ainda no início, quando estávamos arrumando tudo ele já começou a chorar. Eu falei pra ele que essa conquista não é minha, é nossa, da nossa família”.
A frase de Fernanda resume não apenas a gratidão por quem a acompanhou nessa jornada, mas também o valor coletivo da educação pública, gratuita e de qualidade — um direito que, quando garantido, muda destinos. “A UFFS e o Pronera, para mim, são símbolos de justiça, de reconhecimento e de oportunidade. Eles me permitiram acessar um espaço que por muito tempo nos foi negado, o da educação superior com identidade, uma educação de qualidade não deixando a desejar nas nossas origens voltada para pequenos agricultores. Pra mim, ter tido acesso à educação por meio de uma política pública como o Pronera é muito mais do que uma conquista individual, é uma conquista da minha família, dos meus pais que sempre acreditaram em mim, mesmo diante das dificuldades, eles estiveram comigo em todos os momentos, de toda história de luta que foi desde lá atrás na dura na época de acampamento meus avós para a conquista da terra e foi essa luta que me possibilitou ser beneficiária da reforma agrária. Então eu só tenho a agradecer minha família pelo apoio, ao MST por toda história de luta, à UFFS, ao Pronera por nos permitir acesso à educação, ao Instituto Educar que foi minha casa por todos esses anos e por segurar tanto a barra diante de todas as dificuldades de manter uma turma dentro de um curso superior”, finaliza Fernanda. Para o pai, Lourenço Pavão Lisboa, ver a filha se formar num curso superior é a realização de um sonho. “Eu sempre acreditei nela, pois ela sempre se dedicou aos estudos. Eu tenho muito orgulho da Fernanda”, comenta. “Naquele momento da formatura eu era só emoção no meu coração. Não consegui me segurar, chorei muito. Estava muito feliz. Sou um pai muito feliz”, conta Lourenço, emocionado. Para a reitora da UFFS em exercício, Sandra Pierozan, esse curso, ofertado em parceria com o Instituto Educar e no âmbito do Pronera reforça o compromisso social e político da UFFS em prol da superação das desigualdades sociais e regionais. “Eu gosto sempre de destacar uma provocação do educador Carlos Rodrigues Brandão que diz “Educação, educações?” Eu entendo que ela abre essa possibilidade de refletirmos sobre as educações, que nós temos condições de fazer outros modelos, outras propostas, de abrir nossos horizontes e atender as demandas e as peculiaridades que cada um dos grupos sociais possuem. E eu acho que esse curso de Agronomia reflete isso, de maneira muito emblemática. Viabilizar o acesso à educação a grupos que tradicionalmente são excluídos do processo educacional exige construções políticas. Então se essas políticas são desenhadas em âmbito federal, nós entendemos que cabe à universidade a continuidade da execução dessa política através da viabilização de cursos com políticas diferenciadas de acesso que esse grupo específico precisa”, comenta. Neste 28 de abril, Dia da Educação, a UFFS celebra histórias como a de Fernanda Lisboa: histórias que reafirmam o poder transformador do ensino, especialmente quando ele alcança quem mais precisa.