A Editora UFFS publicou recentemente o livro A vida antes do câncer: reflexões sobre estilo de vida. A publicação apresenta uma análise criteriosa dos estilos de vida prevalentes entre os pacientes oncológicos em sua vida pregressa e sua associação com a doença, vinculando esses dados com as informações obtidas acerca da doença e do acesso às equipes de saúde.
Os autores são Tanise Fitarelli Pandolfi Fridrich, nutricionista e mestra em Ciências Humanas pela Universidade Federal da Fronteira Sul – Campus Erechim, Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas (PPGICH), e Alexandre Paulo Loro, professor permanente do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas (PPGICH/UFFS).
A seguir os autores fazem uma contextualização da produção da publicação:
O que motivou escrever o livro?
O livro surge da construção realizada durante o mestrado da Tanise, que na época era nutricionista na Fundação Hospitalar Santa Terezinha de Erechim (RS). O convívio profissional com os pacientes da Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia provocaram reflexões sobre fatores diversos capazes de promover o câncer, principalmente aqueles relacionados à alimentação e nutrição.
A partir disso, diversos aspectos sociais pertinentes nos fizeram entender a importância de expandir esses dados e dar mais visibilidade aos achados. Afinal, o câncer é uma das principais causas de morte precoce no mundo, tendo impacto especialmente em países de média e baixa renda.
Estamos expostos diariamente a fatores carcinogênicos, muitos por escolha, outros pela simples convivência com pessoas, localidades ou mesmo trabalhos que oferecem maior risco. E mesmo assim não há como predizer a chance de desenvolvermos ou não a doença. Ainda percebe-se uma mudança nos números do câncer, em que a doença vinculada com infecções vem diminuindo e aumentam as relacionadas com fatores socioeconômicos.
Interessante entender esses aspectos e trazer para o público uma análise dessa doença que antigamente tão letal e hoje já com possibilidades maiores de cura e tratamento, principalmente quando há atuação na prevenção e diagnóstico precoce.
Como se observa como era a vida destas pessoas antes do câncer?
Em geral nosso público é advindo do interior e pouquíssimos conseguem relacionar o estilo de vida com o desenvolvimento da doença. Ainda percebe-se que muitos não têm hábitos de cuidados preventivos, seja por opção ou por simplesmente não gostarem de buscar o tratamento médico.
Ainda percebe-se que as pessoas apresentam muitas dúvidas acerca do assunto, e que coletam informações em locais como TV, rádio, e atualmente mesmo pela internet, o que dificulta a confiabilidade dos dados, sendo que percebemos diversas informações equivocadas e mesmo fake news. Teoricamente, esse amplo acesso à informação deveria aumentar o poder dos indivíduos, entretanto essas fontes pouco confiáveis não causam apenas confusão, mas muitas vezes também desinformação, e colocam a vida das pessoas em maior risco.
No seu dia a dia, apresentavam maus hábitos?
Sobre os hábitos de vida prevalentes e à associação aos fatores de risco mais comuns ao câncer, podemos perceber que os pacientes apresentam em sua maioria algum grau de sobrepeso e, apesar de ainda manterem uma alimentação composta em sua base por alimentos in natura, já apresentam adaptações em sua dieta introduzindo alimentos ultraprocessados, como, por exemplo, os embutidos e a margarina; apresentam uma vida ativa relacionada com sua ocupação, mas poucos têm hábito de praticar exercício físico; ainda, temos um índice de pacientes que fuma ou consome bebida alcoólica, mas são menos da metade de nossa população. Quanto à ocupação, diversos apresentam risco aumentado ao câncer por consequência de seu labor, em especial ao considerarmos o contato com a agricultura e, consequentemente, com os agrotóxicos, sendo prevalente a falta de uso de EPIs - equipamentos de proteção individual.
O que estes relatos nos ensinam?
Entre os pacientes entrevistados, o que se percebe é uma falta de acesso ao diagnóstico rápido ou mesmo ao conhecimento sobre a doença, parecendo ainda existir um tabu ao se falar sobre câncer, como se fosse uma doença proibida de ser discutida. Entre as tantas falas, podemos perceber a preocupação com o avanço dos casos e mesmo com a falta de informação.
Acreditamos que trazer esses relatos só reforce a importância de construir melhores políticas públicas e ações que sejam compartilhadas entre entes públicos e a população para que possamos nos desprender dos interesses neoliberais e estender às ações para algo que respeite as culturas e a identidade dos indivíduos.
Hoje, a saúde tem sido vista como um negócio lucrativo, por isso há muito interesse da indústria em fomentar ações, respingando inclusive em políticas públicas enviesadas. Por essa razão ressaltamos a importância de tratar a saúde como um direito de todos e trabalhar para que a promoção de saúde seja realizada entre todos os entes da sociedade, em especial o cidadão, para que a cultura de cada região possa ajudar nesse impacto positivo. Nesse aspecto, entendemos que o papel das ciências humanas é fundamental, por conseguir articular esses saberes e trazer ao diálogo tanto a fala científica quanto a popular, estimulando o senso crítico e o discernimento.
Outros aspectos levantados?
As ações de promoção à saúde são cruciais para pensarmos em uma mudança na prevalência desta doença; entretanto, necessitamos de movimentos que sejam descolonizados e sejam construídos de forma interdisciplinar, entendendo que o saber deve ser compartilhado, partindo por princípio do conhecimento e dos hábitos originais da população, criando uma resistência à homogeneização cultural. Como sugestão, entendemos que, tanto nas escolas quanto na assistência primária através das Equipes de Saúde da Família, conseguiremos compor discussões pertinentes acerca dos riscos da região, e assim fomentar na sociedade a necessidade de mudança, entendendo que, quando há uma construção em conjunto, onde os saberes se encontram, existe por si uma quebra em qualquer resistência, visto que o conhecimento formulado e as ações propostas também são próprias a cada um por direito.
Acesse esta e outras publicações do catálogo da Editora UFFS aqui.